quinta-feira, 15 de abril de 2010

Diagnóstico e propostas para C&T&I

0

http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=6387&bd=2&pg=1&lg=


Diagnóstico e propostas para C&T&I

Conferência paulista reuniu nesta semana 400 pesquisadores para discutir aprimoramento dos sistemas científicos e tecnológicos


Fabricio MarquesEdição Online - 15/04/2010
© Eduardo Cesar

Iniciativas sugeridas nas mesas redondas do evento contemplaram desde a necessidade premente de ampliar o número de doutores formados no estado de São Paulo até a criação de um instituto virtual de ecologia social e econômica
A Conferência Paulista de Ciência, Tecnologia e Inovação, que reuniu 400 pesquisadores no auditório da FAPESP entre os dias 12 e 13 de abril, alinhavou um elenco de metas e propostas com potencial para aprimorar os sistemas científicos e tecnológicos de São Paulo e do Brasil num horizonte de 15 a 20 anos. As iniciativas sugeridas nas cinco mesas redondas do encontro contemplaram desde a necessidade premente de ampliar o número de doutores formados no estado de São Paulo até a criação de um instituto virtual de ecologia social e econômica, passando pela discussão de uma reforma na estrutura das universidades e do sistema de pós-graduação.

“O que me chamou a atenção de maneira positiva foi o fato de que algumas das ideias foram muito recorrentes. Há, portanto, uma convergência entre os vários tópicos apresentados. E as intervenções foram bastante otimistas, mostrando que há um progresso em curso nos sistemas paulista e brasileiro de C&T&I”, disse o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, no encerramento do encontro. O evento foi uma reunião preparatória para a 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que será realizada em Brasília entre 26 e 28 de maio.

O debate sobre as razões que levam as empresas a inovar foi um dos destaques da mesa redonda Pesquisa e Desenvolvimento no Setor Privado. Pedro Wongtschowski, diretor-presidente do Grupo Ultra, contestou a ideia, corrente no mundo acadêmico, de que as empresas brasileiras são acomodadas e resistem a utilizar o conhecimento gerado pelos pesquisadores. Segundo Wongtschowski, a equação é outra. Uma empresa inova não porque deseja, mas quando o aprimoramento de seus produtos ou serviços é exigido para manter-se competitiva no mercado. Wongtschowski também criticou a voracidade das universidades na hora de negociar contratos de propriedade intelectual. Disse que os pesquisadores, com frequência, sobrevalorizam a contribuição que estão dando ao produto ou processo desenvolvidos – em geral apenas num elo de uma extensa cadeia de inovações desenvolvidas pela empresa – e exigem royalties exagerados. Sugeriu que a definição da remuneração seja feita após o produto chegar ao mercado, a fim de alcançar um valor atrelado ao ganho gerado.

A estrutura dos sistemas de incentivo também foi alvo de crítica de Wongtschowski. “A Lei do Bem, por exemplo, atraiu cerca 300 empresas em 2007 e 450 em 2008. Isso é muito pouco”, disse, referindo-se à Lei no 11.196 de 2005, que estabelece incentivos à inovação tecnológica. Segundo o coordenador da mesa, Sérgio Robles Reis de Queiroz, professor do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (IG-Unicamp), o debate mostrou que há limites para as ações indutoras de inovação. “Não é a oferta dessas ações que vai mobilizar as empresas. É preciso haver demanda”, disse, lembrando que o ambiente econômico brasileiro, com taxas de juros elevadas e câmbio sobrevalorizado, atrapalha a competitividade das empresas e sua disposição para inovar.

José Fernando Perez, presidente da Recepta Biopharma e ex-diretor científico da FAPESP, defendeu uma maior flexibilidade dos investimentos governamentais federais destinados à pesquisa. “Uma pequena mudança durante o projeto gera problemas com o uso da verba que já estava marcada”, disse. Perez contrapôs-se à declaração de Wongtschowski sobre a “voracidade” dos pesquisadores e afirmou que hospitais de pesquisa dos Estados Unidos impõem negociações duríssimas com empresas relacionadas aos royalties. Ronald Martin Dauscha, do Centro de Inovação, Educação, Tecnologia e Empreendedorismo do Paraná (Cietep) da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), disse que o sistema de inovação pressupõe articulação entre os atores envolvidos que ainda falta no país. Ele também ressaltou a importância de se classificar as empresas conforme a sua maturidade em pesquisa e inovação. “Não é possível classificar pelo tamanho. Há pequenas empresas extremamente inovativas e empresas de grande porte que desconhecem a pesquisa”, comparou Dauscha, que é um membros da coordenação da área de Pesquisa para Inovação da FAPESP.

Áreas Focais para Pesquisa e Desenvolvimento em São Paulo

O físico Cylon Gonçalves da Silva, professor emérito do Instituto de Física da Unicamp e coordenador adjunto da FAPESP para Programas Especiais, propôs uma série de prioridades à mesa redonda Áreas Focais para Pesquisa e Desenvolvimento em São Paulo. Segundo a sua avaliação, no campo das ciências exatas e engenharias a ênfase deveria ser canalizada para a nanotecnologia, entendida como o controle da matéria na escala de átomos e moléculas, com foco para tópicos como a fotossíntese artificial e o armazenamento de grandes quantidades de energia. Também propôs investimentos na chamada e-science, que são as ferramentas conceituais para tratar vastas quantidades de dados, para auxiliar disciplinas como a astronomia e a genômica, entre outras.

No campo das ciências da vida e da saúde, a prioridade deveria ser a nanobiotecnologia, a fim de desenvolver novos processos de diagnósticos e de criar moléculas capazes de atingir alvos precisos no corpo humano, acredita o físico. Como a maior parte da população do planeta vive em cidades, Cylon estabeleceu como meta para as ciências sociais e humanas um esforço para entender e controlar a ecologia do ambiente urbano. A pesquisa interdisciplinar é essencial para vencer os desafios da ciência, segundo Cylon. “Nosso desafio é estimular as novas gerações de pesquisadores a explorar o vazio das disciplinas tradicionais”, afirmou.

O economista João Furtado, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador de inovação tecnológica da FAPESP, chamou atenção para o fato de que os atores envolvidos no processo de desenvolvimento tecnológico e de inovação confundem frequentemente seus papéis no Brasil. Segundo ele, a universidade ora cumpre papel que pertence não a ela, mas às empresas, ora se exime de fazer o que se espera dela. Para estabelecer um desenho preciso, é fundamental que cada ator compreenda seu papel e que, eventualmente, se estabeleçam regras para que os envolvidos saibam o que devem e o que não devem fazer.

Carlos Américo Pacheco, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), retomou um tema tratado pela mesa sobre Pesquisa e Desenvolvimento no Setor Privado e abordou as limitações que as políticas públicas enfrentam para estimular a inovação, em meio a um ambiente desfavorável, com carga tributária elevada e juro real muito alto. “Temos uma política agrícola exitosa porque ela estabelece compensações. O juro é tabelado. Ninguém paga a taxa Selic”, afirmou. Segundo ele, os instrumentos de agências de fomento para estimular a inovação são fracos para se contrapor à influência do ambiente macroeconômico na vida das empresas. Citou, por exemplo, o fato de apenas 1.500 empresas terem sido apoiadas com recursos dos fundos setoriais nos últimos dez anos. “É muito pouco. Mas sou otimista em relação ao futuro. O Brasil, com o tamanho de sua população e a riqueza de seus recursos naturais, não há como não ser relevante no futuro”, afirmou Pacheco.

Pesquisa acadêmica

A necessidade de aumentar o número de pesquisadores foi a tônica da mesa redonda sobre Pesquisa Acadêmica, que reuniu pró-reitores de pesquisa de diversas universidades públicas paulistas. Segundo os participantes, não é possível esperar que as três universidades estaduais ampliem ainda mais seus programas de formação de doutores, pois a capacidade está chegando ao limite. O crescimento de outros centros, notadamente em universidades federais e também nas instituições privadas instaladas no estado, será a saída para que o número de pesquisadores cresça a ponto de o Brasil manter-se competitivo com o time de nações desenvolvidas. O principal gargalo está nos ensinos médio e fundamental, cuja qualidade insuficiente faz com que um número limitado de estudantes bem formados consiga chegar às universidades.

Outro ponto abordado foi a necessidade de melhorar a qualidade da pesquisa feita na universidade. A internacionalização da ciência brasileira, segundo os participantes, é essencial para que os artigos produzidos por nossos pesquisadores tenham mais impacto. Klaus Werner Capelle, pró-reitor de pesquisa da Universidade Federal do ABC (UFABC), ressaltou que a inserção da pesquisa nacional no cenário mundial fica aquém do desejável e do possível, devido, principalmente, a barreiras de comunicação. Ele propôs políticas para financiar e apoiar cursos de redação científica e de conversação em inglês para pesquisadores e estudantes, além de uma agressiva campanha de divulgação da pesquisa brasileira no exterior.

Ronaldo Pilli, pró-reitor da pesquisa da Unicamp, mostrou o esforço da universidade em se internacionalizar, por meio, por exemplo, da ampliação de programas de estágios de iniciação científica no exterior e do financiamento de visita de professores estrangeiros por até dois meses. A Unicamp, disse Pilli, busca formas jurídicas para contratar pesquisadores estrangeiros, por períodos de um a dois anos, sem a proibição hoje imposta de fazer o processo seletivo em idioma estrangeiro.

Há gargalos, também, em pessoal e infraestrutura. Segundo o pró-reitor de pesquisa da USP, Marco Antônio Zago, é irreal imaginar que as universidades irão ampliar consideravelmente o número de vagas de docentes nos próximos anos. O incentivo à formação de pós-doutores, segundo Zago, é fundamental para aumentar o contingente de talentos envolvidos diretamente em pesquisa. A contratação de pessoal técnico e administrativo também foi apontada como essencial para que os pesquisadores se desincumbam de tarefas burocráticas, como prestações de contas, e envolvam-se mais em pesquisa, assim como para potencializar o uso de equipamentos que, hoje, muitas vezes estão ociosos por falta de quem saiba fazê-los funcionar. “A escassez de pessoal técnico é o principal gargalo, hoje, na expansão da capacidade de pesquisa das universidades brasileiras”, disse Zago. Ele também propôs uma reforma universitária capaz de quebrar as barreiras dos departamentos e abrir espaço para a pesquisa interdisciplinar, além de reformular a pós-graduação em bases que atendam não a anseios coorporativos, mas às novas necessidades do país.

Formação de recursos humanos

A mesa Formação de Recursos Humanos, que reuniu pró-reitores de pós-graduação das universidades públicas paulistas, também apontou as deficiências no ensino fundamental e médio como um dos principais problemas de São Paulo e do Brasil. Vahan Agopyan, pró-reitor da USP e membro do conselho superior da FAPESP, destacou que parte do problema da evasão de alunos das universidades públicas é explicada pelas dificuldades de acompanhar os cursos. “Eles não conseguem médias mínimas, pois chegam despreparados à universidade”, disse.

Para o pró-reitor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Bernardo Arantes do Nascimento Teixeira, o problema tem vínculos com a desvalorização da carreira docente. “Temos um grande número de vagas ociosas nos cursos de licenciatura, pois é difícil encontrar alunos dispostos a seguir a carreira docente”, afirmou. A falta de atualização dos métodos didáticos é outro fator que dificulta o aprendizado dos universitários, segundo Marilza Vieira Cunha Rudge, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Os alunos não suportam longas aulas teóricas. Eles estão acostumados com métodos de aprendizado colaborativo que não estamos empregando”, disse. De acordo com ela, é preciso também pensar em novos formatos para os cursos de pós-graduação que atendam esse novo público. “É preciso respeitar o perfil da nova geração”, disse.

Outra questão permeou as discussões: o modelo de pós-graduação vigente no país é adequado para os desafios da pesquisa? A permanência do mestrado como pré-requisito para a formação de doutores foi questionada pelos participantes. A pró-reitora da Unesp, por exemplo, sugeriu uma redução no tempo de formação, acoplando o mestrado à graduação e diminuindo o tempo de doutoramento para três anos, de modo que, como ocorre na Europa, o prazo para obter graduação e doutorado fosse restringido para sete anos. Exemplos como o da Unicamp, que conseguiu abreviar a etapa do mestrado na formação de muitos alunos que fizeram iniciação científica durante a graduação, e da UFSCar, que frequentemente promove mestrandos ao doutorado direto, foram apontadas como boas alternativas para o sistema de pós-graduação paulista, que é mais maduro do que em vários outros estados brasileiros. Mas a formação deficiente dos graduados foi apontada como um empecilho para abolir o mestrado.

São Paulo e o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação

Na última mesa redonda, “São Paulo e o Sistema Nacional de C,T&I”, o professor Shozo Motoyama, diretor do Centro Interunidade de História da Ciência da USP, tratou de três pontos fundamentais. Primeiro, chamou atenção para a falta de coordenação entre pesquisadores, instituições e projetos. Depois, fez um apelo para que o sistema paulista aumente sua capacidade de inserção política e institucional, relacionando-se melhor com o sistema político, tanto no nível estadual quanto no federal. Por fim, propôs a criação de um Instituto Virtual de Ecologia Urbana. Motoyama chamou a atenção para a importância de enfatizar a ação inovativa na área social. Segundo ele, a pobreza, os problemas de saneamento básico, urbanização, violência e intolerância – que são problemas fundamentais da atualidade – não foram tratados ainda de forma articulada, mas apenas em aspectos setoriais. “Minha proposta é ousada. Sugiro a criação, nos moldes do Programa Biota-FAPESP, de um instituto virtual de ecologia social e econômica. Essa ideia, mesmo com todas as dificuldades que ela pressupõe, contribuiria profunda e amplamente para a sociedade paulista, brasileira e global, trazendo subsídios importantes para a adoção de políticas públicas inovadoras em todas as esferas de governos”, defendeu.

Luiz Henrique Lopes dos Santos, professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, elogiou a proposta de Motoyama, mas lembrou que para a criação de um grande programa voltado para as Humanidades é preciso haver demanda clara e organizada da comunidade científica. “Se existe na comunidade científica um vulto significativo de pesquisadores que estão dispostos a dedicar seus esforços a um determinado campo, é importante ter iniciativas de porte como essas. Foi o que presenciei, por exemplo, na ocasião da criação do Programa Genoma. Mas é preciso ter cuidado para não formar, por meio da criação de um grande programa, uma demanda artificial”, afirmou Santos, que é coordenador adjunto de Ciências Humanas e Sociais, Arquitetura, Economia e Administração da FAPESP.

Segundo Lopes dos Santos, as Humanidades não estão perdendo espaço em relação à oferta de bolsas e investimentos em projetos de pesquisa. “Tanto na FAPESP como em nível federal, o que observamos é que tem diminuído o número de solicitações de bolsas e apoios. Isto é, o que está caindo é a demanda, não a oferta de auxílios nas áreas de ciências humanas”, afirmou. Ele deu como exemplo as chamadas de propostas do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas, que, entre 2001 e 2004 contemplou 80 projetos, mas entre 2005 e 2008 aprovou apenas 41. “Faltam mobilização da comunidade acadêmica e projetos com maior impacto”, afirmou.

De acordo com Lopes dos Santos, o crescimento das áreas de humanidades é proporcional ao do sistema de ciência e tecnologia em geral. Os recursos disponíveis acompanham esse crescimento, não só no Brasil, mas em todo o mundo. “Além da demanda pouco ousada para grandes projetos em humanidades, temos dificuldade em inserir nossa produção acadêmica na agenda internacional. Trazemos pesquisadores visitantes e vamos ao exterior, mas não conseguimos ainda nos inserir em uma rede colaborativa internacional. Essa atomização da pesquisa é um gargalo importante do nosso sistema”, afirmou.

Fernando Landgraf, diretor de inovação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), defendeu a necessidade de se estabelecer uma métrica mais eficaz para avaliar empresas e instituições que se dedicam ao desenvolvimento tecnológico e à inovação. “Nossa proposta, no IPT, é bastante simples, mas tem um cunho educativo. Ela se baseia em utilizar como indicador de avanço da inovação o número de contratos com cláusulas de propriedade intelectual”, disse. Segundo Landgraf, a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) indicou em seu Mapa Estratégico da Inovação que a inovação é um dos pilares para a ação da indústria na construção do desenvolvimento sustentável. O uso de indicadores, por sua vez, é essencial para o avanço da atividade de inovação. “Os institutos de pesquisa devem ser conectores entre a universidade e a indústria, por isso procuramos propor um indicador que leve em conta essa relação. A CNI, representando a indústria, sugere como indicador de avanço da inovação a produtividade dos institutos e universidades, incluindo o número de serviços prestados e total da força de trabalho dedicada à atividade. Mas é um indicador fraco”, afirmou.

0 comentários:

Postar um comentário

 
Design by ThemeShift | Bloggerized by Lasantha - Free Blogger Templates | Best Web Hosting